Para falar sobre o terapeuta há que se reportar aos terapeutas de Alexandria, do primeiro século da nossa era, que traziam a visão holística do ser humano.
Membro da comunidade judaica, o terapeuta era, no tempo de Fílon.
[...] um tecelão, um cozinheiro, um psicólogo. Cuidava do corpo e da alma, cuidava dos deuses e das palavras que estes dirigiam à alma, cuidava da ética, era são, simples e sábio. Não curava, cuidava e orava pela saúde dos outros. Acreditava que, tratando da alma e do espírito, o corpo sarava.
Para Fílon,
“os Terapeutas eram filósofos, porque se esforçavam em conciliar as suas ações com o pensamento, e em conciliar o pensamento com Deus. No início da era cristã, já consideravam o ser humano como uma totalidade corpo/alma/espírito”.
Essa perspectiva é completada por Leloup:
“A tarefa considerada primordial para os Terapeutas era cuidar [...]cuidar do que não é doente em nós, do Ser, do Sopro que nos habita e inspira”.
Atualmente, o terapeuta é, ao mesmo tempo, um solitário e um solidário: ele caminha em direção ao outro e retorna a si. Em seu trabalho deve haver ética para ver o outro e reconhecer o divino em cada um. Mais do que qualquer técnica, deve cultivar o silêncio, numa antropologia aberta, se reciclar e permanecer atento no despertar da presença. O terapeuta deve escutar ao mesmo tempo o silêncio, o corpo, as expressões artísticas e o sussurro da alma. Deve ser capaz de gratuidade; aquele momento,
Como fala Leloup,
“[...] em que verdadeiramente experimentamos o prazer
de fazer as coisas para o outro, sem pensar em nós mesmos, espontaneamente”.
Particularmente, o arteterapeuta deve ser um profissional que, com o seu cuidar, coloca em prática o verbo amar, capaz de ser compassivo. Ser este cuidador arteterapeuta requer disposição e conhecimento das técnicas, das atividades artísticas, da psicologia, da representação e da expressão da arte, sua significação e sua história e, fundamentalmente, disponibilidade e habilidade de se colocar no lugar do outro, para ver o mundo como a outra pessoa vê. A cada encontro, uma interligação ocorre e genuinamente a arte do terapeuta se manifesta de maneira holística, sem julgar, acolhendo o ser em sua inteireza para que a raiz da questão essencial se manifeste em sua expressão artística e lhe possibilite decodificar, decifrar o significado de cada sinal demonstrado espontaneamente, de forma criativa, para, então, estabelecer um plano de cuidado adequado e coerente com a necessidade do assistido.
Em consultas psicoterapêuticas convencionais, na maior parte do tempo, ouve-se o cliente falar. Entretanto, na Arteterapia, os participantes se utilizam dos recursos não verbais colocados à sua disposição para se epressarem, para construírem um “discurso” na ordem do imaginário. Às vezes, as representações tornam-se mais complexas, outras vezes ficam mais pobres, outras mais enriquecidas; o arteterapeuta sustenta o cliente para progredir, para arriscar-se a encontrar um caminho. No final do encontro arteterapêutico, cada participante encontra-se com um objetivo “terminado” que lhe é significativo.
É como diz Leloup:
Nossa vida depende de um sopro, o Terapeuta cuida desse sopro que informa o corpo. Curar alguém é fazê-lo respirar: “pôr o seu sopro ao lar-go” (sentido da palavra “salvação” em hebraico) e observar todas as tensões, bloqueios e obstruções, que impedem a livre circulação do ar (sopro) [...] Caberá ao terapeuta a função de ‘desatar’ esses nós da alma [...].
Ao arteterapeuta, no entanto, não cabe somente observar; abrem-se comentários sobre os encontros, sobre os impactos dos temas surgidos na produção simbólica. Em seguida, compreendem-se os comentários frente às tarefas propostas, entusiastas, desdenhosas e as questões sobre a atividade, colocadas, às vezes, mais como meio de comunicação que de informação.
O momento de avaliação da atividade é consagrado especialmente ao diálogo; serve para o arteterapeuta observar a capacidade de o cliente tomar a palavra, assim como sua atitude de escuta frente ao terapeuta ou grupo.
A capacidade de se interessar por problemas gerais, de participar das discussões, de procurar argumentos, está diretamente ligada aos objetivos da Arteterapia.
A atenção compassiva do arteterapeuta é dirigida para a relação que cada sujeito estabelece com a manipulação do material plástico disponibilizado, dos instrumento e dos movimentos eficazes. Além do resultado plástico da atividade, é interessante constatar o prazer ou o desprazer do contato sensorial do sujeito com o material, a manifestação de seus gestos e o prazer da apropriação progressiva da técnica.
Além da observação dos comportamentos, na relação de transferência, o terapeuta possui outro instrumento para sentir as emoções do cliente: os próprios sentimentos frente a eles. A noção de “transferência” é tratada na psicanálise freudiana e não [...] pode ser entendida como o conjunto da relação que o paciente estabelece com o psicanalista, nem, tampouco, como o da perturbação neste tipo de relação, o que foi posteriormente entendido por outros autores; mas apenas como um aspecto muito específico dessa relação, na qual, a partir de uma falsa ligação, e de uma maneira um tanto quanto inapropriada, a figura do médico substitui alguém do passado do paciente.
A reação produzida sobre o arteterapeuta pela ausência do cliente, por sua chegada em atraso ou antecipada, por seu cumprimento efusivo ou seu olhar longínquo, pela indiferença, a delicadeza ou a revolta demonstrada pelo cliente/paciente em relação a ele, constituem os sinais do ponto de conflito a serem desfeitos. Além dessa relação para ser um bom terapeuta através da arte, os arteterapeutas precisam concomitantemente aprender a frequentar a arte, ouvir com sensibilidade e responder com empatia junto à utilização dos materiais. As aptidões terapêuticas necessitam ser bem fundamentadas através de uma imersão na arte, do viver com ela.
A empatia tem sido identificada como componente central entre o cuidador e o ser cuidado, baseando-se no processo de engajamento emocional entre ambos. Cabe ao arteterapeuta o papel de ser companheiro/a desta iniciação para um estado novo, uma transmigração a uma nova forma de viver e religar ao Sagrado que habita cada um.
O encontro terapêutico através da arte flui sem medos de julgamento, já que se fala por meio de símbolos, de uma maneira mais leve, o que permite rever arquivos, limpar gavetas, abrir os olhos, pulsar e respirar porinteiro. É um tocar com atenção e respeito à unificação dos templos (corpo, mente e espírito), com segurança tal qual um barco bem ancorado em porto seguro.
O poder do toque amoroso de um ser consigo mesmo e com o outro através da arte, com atenção e intenção transparente, cultivando a vida (o resgate a origem) requer preparo. O arteterapeuta deve reverenciar e tocar o ser, como o agricultor que trabalha a terra semeando uma nova vida com respeito e agradecimento para a geração de uma boa colheita.
Perante este quadro, é possível identificar que a doença física, emocional e espiritual se instalou no ser humano devido a ausência de integralidade, a qual sugere a consciência de conjunto com toda natureza e o Cosmo.
A consciência de fazer parte, de agregar-se a tudo que existe constitui a verdadeira espiritualidade. A consciência holística da vida tem levado profissionais e voluntários à compreensão da necessidade do cuidado, tanto da natureza quanto de outros seres humanos, pois a cura de cada um dos seres constituintes da teia da vida culmina na cura do planeta e novamente reflete em cada um dos seres. Nesse contexto, surge a Arteterapia, instrumento rico e integrador, capaz de suavizar o processo de auto-descoberta e cura.
Fonte:
Arteterapia e Gênesis: O ser humano como cocriador do universo
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